Jovens da periferia arrecadam R$ 120 mil para ajudar famílias carentes na Zona Sul de SP durante pandemia
16/04/2020 16:03 em Pessoas

Os integrantes da Agência Solano Trindade, ao lado de artistas como o cantor Rael e DJ Vivian Marques, em evento no Campo Limpo. — Foto: Divulgação

Moradores do Campo Limpo e do Capão Redondo cadastraram 133 famílias da capital para receber dinheiro arrecadado em vaquinha online.

 

Cansados de esperar pela ajuda governamental que ainda não chegou aos extremos da cidade, um grupo de 15 jovens de São Paulo organizou uma vaquinha online que já arrecadou cerca de R$ 120 mil para ajudar famílias carentes dos bairros do Campo Limpo e Capão Redondo, na Zona Sul da capital.

Juntamente com a Vila Andrade, os dois bairros fazem parte da subprefeitura do Campo Limpo, área de 36,7 km2, formada por uma população aproximada de 650 mil habitantes na Zona Sul da capital paulista.

Os jovens fazem parte de uma rede de empreendedores da periferia, reunidos pela Agência Popular Solano Trindade. Eles cadastraram 133 famílias da região, que vão receber durante três meses uma ajuda para sobreviverem durante o período de pandemia do coronavírus na cidade.

A ajuda inclui uma cesta básica com 15 itens, um vale gás de R$ 90 mensais, kit de higiene e uma cesta mensal de frutas, verduras e legumes orgânicos.

“Nós criamos essa rede de ajuda porque estava angustiante ver a fome bater na porta das famílias e a ajuda governamental simplesmente não chegar. O governador disse que comprou 1 milhão de cestas básicas, o prefeito disse que ia distribuir um cartão com dinheiro da merenda, o presidente prometeu auxílio emergencial, mas essas ajudas ainda não chegaram aqui na periferia. Ninguém sabe onde buscar auxílio e não dava pra gente simplesmente ficar de braços cruzados”, conta o produtor cultural Thiago Vinícius Silva, coordenador do projeto.

A Agência Solano Trindade é uma espécie de encubadora ou "hub" de empreendedores da periferia e mantém uma casa de encontros, onde jovens usam a tecnologia para criar projetos de geração de renda nos bairros onde vivem.

A casa virou referência cultural e econômica na comunidade do Campo Limpo e, com o fechamento das empresas e comércios em São Paulo por conta da quarentena obrigatória, o endereço foi convertido também em espaço para busca de ajuda.

“A gente parecia a Cruz Vermelha ou o Médicos Sem Fronteiras. Diariamente recebíamos pedidos de ajuda de gente que perdeu o emprego e a fonte de renda e viam o dinheiro e os alimentos em casa acabarem. São pessoas trabalhadoras que precisam de ajuda para não chegarem ao ponto de primitivismo de roubar ou matar para poder comer”, afirma Silva.

Ajuda ao comércio local

Os R$ 120 mil arrecadados até agora para ajudar as famílias foram levantados através do site de financiamento coletivo de projetos sociais benfeitoria.com. A maior parte da ajuda financeira partiu de famílias com condições melhores de vida e do Instituto ACP.

O grupo também resolveu que a verba seria usada em supermercados e produtores locais de alimentos, para financiar o comércio da periferia e salvar empregos.

“Gastamos mais de R$ 50 mil até agora no comércio local. Uma dos supermercados tem 60 empregados e o dono disse que já estudava demitir algumas pessoas. A nossa compra ajudou a segurar as contas por mais um tempo, sem necessidade de demitir”, conta o coordenador do projeto.

Os alimentos arrecadados para as 133 famílias do Capão Redondo e Campo Limpo, na Zona Sul de SP. — Foto: Divulgação/Léu Britto

Perfil das famílias ajudadas

Os voluntários do projeto mapearam as 133 famílias que mais precisavam no bairro através da ajuda da comunidade. A prioridade foi dada para as famílias chefiadas por mulheres, com cinco ou mais pessoas e com idosos do grupo de risco para Covid-19. No total, 1.064 pessoas estão sendo assistidas pelo programa #famíliaajudafamília, lançado por eles.

O perfil das famílias cadastradas é:

- 104 famílias são chefiadas por mulheres;

- 26 famílias são chefiadas por homens;

- 3 famílias não informaram gênero;

- 43 famílias têm integrantes com idade acima de 60 anos morando na mesma casa;

- 50 famílias respondentes se consideram pretas;

- 18 respondentes se consideram indígenas;

- 31 respondentes se consideram pardos;

- 30 respondentes se consideram brancos;

Com o verba arrecadada até agora, os jovens da Agência Solano Trindade também estão ajudando algumas aldeias indígenas de Parelheiros, que estão isoladas por causa do coronavírus.

O coordenador do programa, Thiago Vinícius, critica a demora do poder público em socorrer as famílias da periferia e também as comunidades indígenas.

“Estamos perto de completar um mês de isolamento social e existe um delay inacreditável entre as coisas que os governos prometem na TV e o que tem chegado de fato às pessoas aqui na periferia. É preciso mais agilidade e mais informação no socorros às famílias. Eles precisam informar com clareza onde as pessoas podem retirar uma cesta básica, como e onde ir para receber o auxílio merenda, porque quem tem fome tem de pressa na ajuda”, aponta.

O alto desemprego a desinformação entre os moradores do Capão Redondo, em SP, foi tema de reportagem especial do G1 em 31 de março. A reportagem colheu depoimentos das pessoas que enfrentam a pandemia sem ajuda e orientação nessa região da cidade.

Arrecadação continua

O cadastro da Agência Solano Trindade tem mais de 3 mil pessoas que pediram ajuda, mas que ainda não estão sendo assistidas. A campanha de arrecadação de fundos continua na internet, para tentar expandir o número de famílias atendidas.

O grupo também está com uma campanha separada para levantar fundos e manter a agência funcionando, pagando salários dos quinze membros, além do aluguel mensal de R$ 2,5 mil. Os valores estão sendo pedidos pelo site Kicante, para não confundir com a ajuda às famílias necessitadas.

“Nós vamos continuar a ajudar as famílias até o fim do ultimo real. Queremos e gostaríamos de ajudar mais gente. Mas queremos mais ainda é que o governo seja claro, rápido e eficaz no socorro de todo que mora na nossa vizinhança e, menos ou mais, precise também de ajuda. Poder dormir sabendo que ninguém da nossa rede está indo dormir com fome é a nossa maior felicidade nesse período tão confuso e difícil”, desabafa Thiago Vinícius.

Doações destinadas às famílias carentes do Capão Redondo e do Campo Limpo, na Zona Sul de SP. — Foto: Divulgação

 

Acesso às cestas básicas do governo

Procurado para esclarecer as ações que estão sendo tomadas para ajudar as comunidades de Campo Limpo e Capão Redondo, o Governo de São Paulo afirmou que vem adotando várias medidas para proteger a população mais vulnerável e diminuir os impactos sociais causados pela crise do coronavírus em todo o estado.

Segundo a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, a distribuição de 1 milhão de cestas básicas para famílias em extrema pobreza começou nesta quarta-feira (15) e serão entregues por meio do CadÚnico (cadastro federal oficial para inclusão em programas de assistência social e transferências de renda).

De acordo com site do Ministério da Saúde, a inscrição no CadÚnico deve ser feita através dos Centro de Referência de Assistência Social (Cras) da cidade. (veja lista de endereços e a lista de documentos necessários para cadastro)

Através do cadastro, as famílias com renda de até R$ 89 mensais por pessoa da casa poderá ter acesso à cesta de alimentos oferecida pelo governo de São Paulo, segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social.

"Foi iniciada hoje a distribuição de 1 milhão de cestas básicas para famílias em extrema pobreza, que vão atender 4 milhões de pessoas por meio do programa Alimento Solidário. Serão atendidas famílias cadastradas no CadÚnico (cadastro federal oficial para inclusão em programas de assistência social e transferências de renda), com renda de até R$ 89 per capita mensal. Para receber a cesta, o beneficiário deverá apresentar o Número de Identificação Social (NIS). Serão distribuídos ainda 1,2 milhões de kits de higiene e limpeza para famílias em situação de extrema vulnerabilidade social na região metropolitana de São Paulo", afirmou a nota da secretaria.

A Prefeitura de São Paulo também articulou uma rede de solidariedade às famílias carentes da capital, através de endereços de drive-thru em que qualquer cidadão da cidade pode doar alimentos para quem precisa. (veja endereços para doar aqui)

Chamado de "Cidade Solidária", o programa continua arrecadando mantimentos para doação e a entrega para as famílias que precisam, segundo a prefeitura, vai acontecer com o auxílio de entidades da sociedade civil e será destinada ao grupo prioritário definido pela Estratégia de Saúde da Família (ESF).

Jovens da Agência Solano Trindade distribuem doações para 133 famílias carentes da Zona Sul de São Paulo. — Foto: Divulgação 

Como receber o benefício da merenda

Em relação ao acesso ao dinheiro da merenda destinado às famílias que têm alunos na rede estadual de ensino, a Secretaria Estadual de Educação afirma que o repasse do benefício começou no dia 8 de abril e irá beneficiar 732 mil estudantes da rede estadual.

Segundo o governo paulista, o programa “Merenda em Casa” destina o valor de R$ 55,00 por mês por cada aluno, durante o período de suspensão das aulas presenciais em virtude do coronavírus.

Para ter acesso ao benefício, as famílias precisam baixar o aplicativo “PicPay” nas lojas virtuais Apple Store (para dispositivos iOS) ou Google Play (para dispositivos Android) e criar uma conta com nome, CPF e data de nascimento do aluno. O site da Secretaria de Educação informa como validar a conta escolar através do envio de documentos pelo próprio aplicativo da PicPay. (veja aqui)

"Este programa foi desenvolvido de forma a atender às crianças mais vulneráveis da rede e visa auxiliar as famílias que recebem o Bolsa Família ou que vivem situação de extrema pobreza e não recebem o benefício federal, de acordo com o Cadastro Único do Ministério da Cidadania", informou a Secretaria de Educação.

A Prefeitura de São Paulo, por sua vez, afirmou que a Secretaria Municipal de Educação já entregou 273 mil cartões para atender às crianças mais vulneráveis da rede. As famílias que receberam o cartão são aquelas que recebem o Bolsa Família no município ou que vivem situação de extrema pobreza e não recebem o benefício federal, de acordo com o Cadastro Único do Ministério da Cidadania, de acordo com a prefeitura.

"Nesta semana, outras 80 mil crianças receberão os cartões divididos de maneira a atender a necessidade dos alunos em suas diversas fases", informou a nota da administração municipal.

A gestão João Doria também declarou que a rede Bom Prato "ampliou o seu atendimento para 1,2 milhões refeições por mês, com oferta diária de café da manhã, almoço e jantar, além de distribuição em embalagens descartáveis para atender as famílias mais carentes, enquanto o programa Vivaleite foi ampliado para reforçar a nutrição de mais de 21 mil idosos residentes de abrigos e residenciais socioassistenciais".

 

Por: G1 SP — São Paulo

 

 

 

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